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CRIAÇÃO DO  SNS

29 de Outubro de 2023

Em 1979, estava eu já com 7 anos de licenciatura, quando se criou o SNS pela mão do Dr. Arnaud

 Ministro dos  Assuntos Sociais do PS, com o apoio do PCP e UDP COM OPOSIÇÃO do PPD e do CDS.

Ora este facto é relevante para se analisar a evolução do SNS , porque tem havido alterações das legislaturas que defendem o SNS ou o contrariam.

Um facto muito relevante foi o ter-se acabado com a obrigatoriedade de os médicos terem  de ficar 4 anos no SNS, o mesmo sucede aos oficiais da força aérea que para irem para empresas de aviação têm que ficar uns anos na Força Aérea que os formou, após a obtenção do titulo de Especialista, o que tinha toda a lógica pois é o Estado que paga essa formação

Pois muito bem, acabaram com a obrigatoriedade dos 4 anos e passaram a ir para a RUA NO DIA SEGUINTE à obtenção do titulo e os privados agradeceram e o SNS perdeu médicos, muitos dos quais poderiam querer ficar no SNS. Quem criou esta alteração ? Adivinhem se não serão os que preferem a medicina privada,

Um facto muito relevante para a falta de médicos é o absurdo da exigência do numero Clausus  muito elevado para se poder entrar em medicina. Alunos brilhantes com médias de 17 valores não entram ! Quantas vocações se perdem com esta exigência absurda. Porque não se exigiria antes por exemplo 15 valores e podendo os alunos ficar, desde que não tivessem 2 chumbos consecutivos .

Corrigindo-se estes 2 erros penso que será possível termos mais médicos e a preferirem o SNS, desde que se voltem a ter recursos de equipamentos , ter os diretores clínicos com poderes executivos e não só consultivos uma vez que os administradores fazem falta, mas com uma visão clinica obrigatória  em lugar de uma gestão burocrática e obviamente médicos pagos com justiça.

Eu já reformado do SNS, com 81 anos ganhava mais do que hoje ganham os meus colegas.

Lembro me de ter colaborado ativamente como Dr. Arnaud , de ter refletido com o facto do SNS inglês ter tido grandes oposições e até ameaças de morte a médicos que o defenderam . Acontece que eu conjuntamente com o Prof. José Barbas criámos o Internato Geral Obrigatório necessário para a licenciatura, que era uma mais valia para a qualidade da formação e obrigar a termos uma prática clinica, em lugar de uma formação apenas teórica e que infelizmente acabou , tendo o apoio dos que criaram as Carreiras Médicas entre  os quais o Prof, Miller Guerra.,

Tambem como alternativa foi pena ter acabado o Serviço Médico à Periferia Se analisarmos estes dados não há duvida que as dificuldades em mantermos ou aumentarmos a qualidade da prática clínica piorou.

Lembro me que muitas horas a mais dei ao Hospital, inclusive durante a noite, quando me chamavam, sem nunca ter recebido suplementos, assim como muitos colegas. Para mim mais do que cumprir um horário rígido, era importante cumprir com as necessidades clinicas dos doentes a tempo e os que dávamos mais tempo era porque tínhamos condições para o fazermos.

Acresce que no SNS tive a  possibilidade de todos os anos ir aos congressos de Trombose e Hemostase ora da Sociedade Internacional ou da Liga  Mediterrânea, pois não deixava de ganhar e ter autorização do Hospital para serem pagos os custos pelos laboratórios e levava comigo um colega ou uma farmacêutica. Pude também ter uma Bolsa de meio ano em coagulação em Estrasburgo.

Ora em nenhum sistema privado teria tido acesso a estes congressos e estágio.

Caros amigos, penso que ficou clara as vantagens na formação  dos médicos no SNS e útil para todos os cidadãos  , bem como medidas acessórias que foram introduzidas que levaram infelizmente, muitos médicos a irem para os privados.

Os Sindicatos médicos têm razão, pois não sendo os médicos devidamente pagos, claro que estes fogem para os privados, onde a maioria da população não tem recursos para pagar.

O Governo tem o dever cívico de ultrapassar esta dificuldade, tendo maioria absoluta, intitulando-se socialista e não traindo o SNS criado pelo Dr. Arnaud.

Francisco Crespo

Médico

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E SAUDE

2 de Setembro de 2023

O calor intenso do verão 2023 trouxe decerto mortes por desidratação em pessoas mais velhas e mais vulneráveis.

Também no trabalho ao ar livre,o sol intenso poderá ter sido implacável, mesmo para jovens saudáveis ou aparentemente saudáveis.

Já em Março de 2003, a revista Lancet, fazendo uma revisão de 21 artigos publicados,chamava a atenção para os efeitos na saude do fenómeno El Niño. Foi descrito pela primeira vez por Gilbert Walker em 1900. Mas existiria desde muito antes.


Chama-se El Niño porque aparece por volta do Natal (Menino Jesus) na costa do Peru e do Equador, afecta a costa oeste da América do Sul e acaba por ter efeitos que chegam aos outros continentes.

O agravamento das condições do clima não vai para trás. O melhor que se pode esperar é que pare. Ou ande mais devagar...

"ESTAMOS CONDENADOS A TER UM SNS PIOR? RESPOSTA A SEIXAS DA COSTA, O FATALISTA"

5 de Julho de 2023

Consulta o artigo aqui.

TEMPOS/ÉPOCAS

13 de Abril de 2023

Nada é fixo no pensamento , hábitos de vida, ao longo das épocas. Só ficam estáveis os conservadores e Velhos do Restelo que vivem sentados.

Ao percorrer mentalmente o que foi variando na comunidade mundial , apercebo-me da perda de valores culturais  significativos.

Hoje em todo o mundo é preocupante como a política é vista como um negócio, em lugar de um esforço  coletivo de solidariedade democrática, um Serviço e a corrupção vai alastrando.

Os partidos políticos, a maçonaria e algumas religiões foram invadidas por exércitos de oportunistas. A posse de dinheiro foi deificada por essas hábeis gentes.

A Maçonaria Grande Oriente nasceu com um mérito  social associado ao que foi a Revolução Francesa e deu início em todo o mundo à libertação de várias democracias.

Em Portugal ela teve grande mérito na luta contra o absolutismo e a ditadura e daí o Salazar a ter proibido

Em Itália Mussolini inicialmente maçon e socialista e depois fascista, perseguiu a e proibiu a.. Em Espanha Franco era filho e irmão de maçons, quis sê-lo e como não foi aceite, proibiu então a maçonaria em Espanha. 

E hoje ? Têm vindo a ser invadidas por oportunistas financeiros e muitos corruptos, assim como aconteceu aos partidos e igrejas em todo o mundo.

Infelizmente poucos foram expulsos da Maçonaria, mais para traz o Carmona, Presidente da Republica e mais recentemente apenas 4.

Não me  posso esquecer que o Prof. Jacinto Simões então Grão Mestre da Grande Loja Maçónica, me tentou levar para a Maçonaria, pois o seu pai o aconselhara a entrar para a Maçonaria, para progredir na vida !. Ao contrário os meus amigos Dr. Arnaud, Prof. Henrique de Barros , Dr. Joshua Ruah  entre outros, foram ilustres e dignos maçons.

Vejam lá que aconselhei o Dr. Mário Soares a expulsar da Maçonaria e do PS um conhecidíssimo negociante, mas corrupto que tem o seu nome disperso por todas as terras, mas nada lhe aconteceu, pois continua lá ainda nos dois lados!  

É urgente que esses oportunistas sejam expulsos de nobres associações.

A má governação dos grandes partidos em todo o mundo tem -os  levado ao seu desaparecimento, Partidos Socialista e Comunista Francês. austríaco e italiano. E em Portugal bem o creio, irá acontecer o mesmo.

Apenas houve expulsões de militantes no PS e o PSD que deixou ultimamente a Social Democracia no Sá Carneiro, restando o Pacheco Pereira e hoje é mas é Liberal e na Igreja Católica também alguns afastados.…

Surgem então os partidos nacionalistas e nazis europeus na Itália, França , Portugal como Chega que anuncia para Portugal reunião com o espanhol Vox, a senhora francesa Le Pen, Bolsonaro, Trump, Liga Norte italiana, que esquecem o que passámos com a ditadura de Salazar e com a Segunda Guerra Mundial ….

E imagine-se na India surge um partido contra todas as religiões, maometana, católica, hindu e até contra os que sempre apoiaram o grande Gandhi assassinado.

Sabemos que a Rússia, o país de maior cultura europeia  ( literária, musical ballet , etc) fez uma revolução contra a ditadura dos czares e ao desumanizar-se, também evoluiu para uma ditadura que ainda perdura com a manha de  Putin, ex dirigente da KGB. É isto a evolução da humanidade a que temos infelizmente  assistido.

Curiosamente Portugal, que não se conteve neste pequeno retângulo europeu, libertou-se com a ajuda fundamentalmente dos judeus, que já desde D. Sancho I eram os seus consultores bem como o foram de D. Henrique o Navegador. E o que nos prejudicou  foram os  espanhóis que nos obrigaram a expulsar judeus   e até muçulmanos , bem como a Inquisição.

Hoje com uma comunidade nacional dispersa pelos 5 continentes,  temos um património linguístico e cultural que como diz Agostinho da Silva tem sido pouco aproveitado.

Mas será que chegámos a uma fase mundial irreversível com perca de valores sociais e de solidariedade ? A vida é um caminho sempre de mudanças e cabe-nos a todos influenciá-lo no sentido correto.  

Agora com 82 anos à porta, olhando para o mundo contemporâneo não quero perder tempo sem tentar berrar bem alto, dando murros na mesa  denunciando que o mundo tem de caminhar para a solidariedade universal e apesar da criação da ONU nela ainda  se tolera um Conselho de Segurança com direitos de veto das grandes potências, apesar do brilhante trabalho do nosso socialista  engenheiro António Guterres, num desrespeito pela defesa do ambiente universal  que sem o cuidado urgente irá matar toda a gente, que encontra apesar de tudo um defensor em Lula da Silva, na permissão da corrupção dos partidos, da maçonaria Grande Oriente a todos os partidos,  na defesa do notável Papa Francisco que os conservadores perseguem evitando a Cristianização do Vaticano.

Gostaria de deixar aos meus netos uma esperança no futuro progressista da paz e do direito ao trabalho, saúde, educação e habitação e dos cultivar nesses valores.

Temos que impedir a mediocridade do conhecimento e analfabetismo a toda a população mundial, estando nós portugueses dispersos por todos os continentes, temos o dever de ser pró ativos com o ganho dos descobrimentos e o ganho do convívio com tantos povos onde deixámos uma língua. Temos que explorar esta grande vantagem da dispersão mundial do português, a par da ligação curta à Europa. É que um pais nunca é pequeno quando é banhado pelo mar o que nos libertou da pequenez do território e temos de ter confiança nos valores “que da ocidental praia lusitana, em perigos e guerras esforçados, mais do que permitia a força humana, passaram ainda além da Taprobana, e entre gente remota edificaram novo reino que tanto sublimaram. Cale-se de Alexandre e de Trajano  que outros valores mais altos se alevantam “

Camões tinha razão como Padre António Vieira e Jaime Cortezão..

Não sejamos velhos mas antes permanentemente insatisfeitos com um desassossego , um sonho diários com uma pitada de utopia

Há uns factos de que me orgulho, fruto dos exemplos da minha família,  e que quero deixar aos meus netos. Defendi sempre a qualidade e a dignidade. Quando fui diretor de Serviço, pedi a demissão por não tolerar que o Diretor do Hospital administrador, tentasse dar ordens clínicas para o  que não tinha competência, bem como me demiti do C. Diretivo da ARSSLVT, por me terem tentado tirar a minha competência na gestão clínica dos hospitais e tentarem atribui- la a uma jurista, bem também por eu ter proibido a ida direta de doentes de cirurgia cardíaca do SNS para a Cruz  Vermelha !  Também não percebendo como um Prof. de Dermatologia dirigia  o Serviço de Bacteriologia, que eu frequentava no Internato da Especialidade e me iria classificar, perguntei lhe como isso era possível.? Deu me os parabéns pela coragem e pediu a demissão.

Conto isto, pela simples razão de transmitir aos netos estes valores, pois dinheiro deixarei pouco

O Papa Francisco é para nós todos crentes ou não, um exemplo ao preservar com coragem

e  grande alegria de viver a defesa dos pobres . Ele é um espirito aberto â renovação dos valores humanos.

Francisco Crespo

Médico

OITENTA E SEIS POR CENTO DAS ALDEIAS DE ANGOLA NÃO TÊM CUIDADOS DE SAÚDE

12 de Abril de 2023

Consulte o artigo de opinião aqui

REFLEXÕES SOBRE A ESTRUTURA DO SNS

25 de Março de 2023

Algumas reflexões que me parecem úteis sobre SNS, dada a minha experiencia com 55 anos de licenciatura e 50 de SNS quase sempre em dedicação exclusiva . Fui também autor com o Prof. José  Barbas da redação do decreto sobre o Internato Geral Obrigatório

Penso que o acesso à Faculdade não devia ser com numero Clausus, mas antes com um minino de 15 valores e exclusão, se chumbo em dois anos , dado o numero elevado de exclusões quando há falta de acessos exagerados e perca de vocações.

Dado o numero elevado de anos do curso médico, podia-se ter 2 anos de cadeiras básicas obrigatórias e das restantes cadeiras seriam acordadas com um professor em função da especialidade que o aluno optasse  e obrigatoriamente com aulas práticas de mais 3 anos. Devia poder-se frequentar cadeiras de outros cursos voluntariamente será que um psiquiatra teria que ter as mesmas cadeiras que um dermatologista? Deste modo aconteceria que se atingiriam as especialidades mais cedo como acontece por exemplo em engenharia. Tem que se voltar à obrigatoriedade do diretor de unidades de saúde ser médico e nunca o administrador, que embora fazendo parte da direção não preside, pois a nova modalidade trouce desvios clínicos relevantes. Os Diretores Clínicos e  de Serviço das unidades públicas e privadas têm que estar em dedicação exclusiva. Os blocos operatórios deviam funcionar 24 horas no SNS como na Alemanha, o que alem de diminuírem listas de espera, aumentavam o treino médico. Os pagamentos seriam em função dos horários, os médicos  do SNS que o desejassem  poderiam dar consultas privadas nos seus gabinetes, mediante pagamento dos apoios necessários de secretariado e enfermagem pelos médicos o que permitia a livre escolha do médico pelo doente e a permanência dos médicos mais tempo nas unidades. Os Serviços em lugar de serem só de uma especialidade deviam ser associados por grupos, por exemplo: cardiologia, cirurgia cardíaca, cirurgia vascular, neurocirurgia e neurologia. Pediatria e obstetricia…

É urgente recrear a Dedicação Exclusiva, para já facultativa, impedindo a fuga para privados, no entanto obrigatória para diretores.

Dado que a formação da especialidade é paga pelo Estado os médicos no final da especialidade teriam que voltar a ficar pelo menos 3 anos no SNS, Assim acontece com pilotos da Força aérea que vão para a TAP. Como dantes acontecia.

O vencimento dos médicos têm que ser atualizados , ganham menos do que eu ganhava antes da reforma ! Deve instituir-se o prémio pelo desempenho (publicações em revistas indexadas médicas organização de eventos, etc). Tem que se abrir concursos de promoção nas carreiras, com provas públicas. Tem que se equipar os serviços com os recursos necessários e para isso fomentar a criação de fabrico de medicamentos nacionais e fabrico pela engenharia de equipamentos.

Deve se vigiar melhor pagamentos de ambulâncias , chegam a pagar- se ambulâncias já abatidas e com 1000nkm diários!

Os serviços deviam poder contratar outras profissões úteis tais como matemáticos , químicos engenheiros, etc como complemento. É importantíssimo criar boas condições para que os profissionais tenham gosto no trabalho, dando condições para a investigação com prémios para publicações em revistas médicas indexadas.

De uma vez por todas deviam fazer se acordos com privados NACIONAIS  para diálises. É um escândalo mais de 90 % são multinacionais quando pedidos de nacionais aguardam despachos dos secretários da saúde há anos e de vários governos, tendo pareceres técnicos todos positivos. Para alem da ética, o Estado tem prejuízos de muitos milhares de euros com estes abusos. Curiosamente estas multinacionais tiveram multas em vários países por subornos aos estados… Grande parte dos défices do SNS resultam de uma péssima gestão.

Estou à vossa disposição para o que entenderem .

Francisco Crespo

Médico

"ARRENDAMENTO DE UMA CASA EM LISBOA. COM GRANDE SORTE, TALVEZ SE ARRANJE UM T0 OU UM T1 COM RENDA IDÊNTICA AO VENCIMENTO LÍQUIDO DE UM ESPECIALISTA MÉDICO"

19 de Março de 2023

Essa é a única forma de reter médicos no SNS: restabelecer carreiras médicas e uma grelha de remunerações decentes. O conhecimento, o prestígio e o orgulho virão por arrasto. Esta não é uma posição sindical, é a defesa do SNS.

https://www.publico.pt/2023/03/17/opiniao/opiniao/saude-misterio-lisboa-vale-tejo-misterios-2042736


Os médicos têm toda a razão em reivindicar melhores condições de trabalho e remuneração condigna. Fazendo greve, tomando os seus doentes por reféns, poderão obter melhores salários mas arriscam-se a não mais recuperar o prestígio que vinham recuperando pela postura durante a pandemia.

Não esquecerão os argumentos TINA corporativos da Presidente da FNAM para justificar a greve  Federação Nacional dos Médicos diz que foi empurrada para a greve. Confrontada com as perturbações que a greve significa para os doentes, Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM, sublinhou que “os serviços mínimos estão garantidos e vão ser cumpridos” e pediu desculpa aos utentes. (para o OM, serviços mínimos são apenas os “inadiáveis”.

“Certamente haverá perturbação e transtorno e pedimos desculpa aos nossos utentes por isso.1

“…lutamos pelas nossas condições de trabalho mas sobretudo pelas grelhas salariais… uma grelha salarial justa por que senão os médicos continuarão a sair do SNS…” 2

Entre as reivindicações da FNAM consta a renegociação da carreira médica e da respetiva grelha salarial, que inclua um horário base de 35 horas, a dedicação exclusiva opcional e majorada e a consideração do internato médico como primeiro grau da carreira.

A estrutura sindical pretende também a revisão das normas de organização e disciplina do trabalho médico, a reposição dos 25 dias úteis de férias por ano e dos cinco dias suplementares, quando forem gozados fora da época alta, assim como a redução do tempo normal de trabalho no serviço de urgência das 18 para as 12 horas.


Com toda a consideração

H. Carmona da Mota

SAÚDE, O “MISTÉRIO” DE LISBOA E VALE DO TEJO E OUTROS MISTÉRIOS

17 de Março de 2023

Na situação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em que estamos, a última coisa de que precisamos é de comparações e concorrências regionais. Mas é o que tem acontecido, umas vezes subtilmente, outras mais claramente, nas comparações entre a boa gestão da Região Norte e a má gestão da Região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Junta-se a isso o facto de a realidade não caber num espartilho empresarial. Como sempre, a explicação é encontrada na palavra “gestão”, estando implícita a cultura de empresa, a que aliás se liga a designação de CEO à personalidade que está a dirigir, de forma muito centralizada, a estrutura do SNS."

Isabel do Carmo

Leia o resto do artigo aqui.

"INFORMAÇÃO AOS 1,3 MILHÕES DE BENEFICÁRIOS DA ADSE SOBRE A NOVA TABELA DO REGIME CONVENCIONADO EM VIGOR DESDE 1 DE MARÇO DO 2023"

7 de Março de 2023

Neste estudo com o titulo "INFORMAÇÃO AOS 1,3 MILHÕES DE BENEFICÁRIOS DA ADSE SOBRE A NOVA TABELA DO REGIME CONVENCIONADO EM VIGOR DESDE 1 DE MARÇO DO 2023 E O BOICOITE DA GESTÃO DA ADSE POR PARTE DAS TUTELAS: o aumento da despesa total para os beneficiários resultante das novas Tabelas que entraram em vigor em 1/3/2023 (cerca 7M€) dividida pelo número daqueles que utilizaram o Regime convencionado em 2022 (883389) dá por ano 7,92€ e por mês 0,66€" analiso os aspetos mais importantes das novas Tabelas do Regime convencionado da ADSE que entraram em vigor em 1/3/2023 com objetivo de informar com verdade os 1,3 milhões de beneficiários da ADSE, mostrando os aumentos de preços (despesa) por atos (consultas, análises, cirurgias, etc.) tanto para os beneficiários como para ADSE, combatendo assim com a verdade o alarmismo causado por uma comunicação social pouco informada e não inclinada nem a estudar os assuntos com rigor e profundidade nem a respeitar um principio fundamental do bom jornalismo que é o contraditório. Os aumentos de preços têm como objetivo fazer regressar às convenções atos e médicos que delas tinham saído. Esperamos por parte dos prestadores e médicos uma resposta positiva e responsável. Mas estaremos aqui para ver o que acontece.Peço aos leitores beneficiários que estejam também atentos e que transmitam ao conselho diretivo da ADSE as anomalias que detetarem.

Com consideração,

Eugénio Rosa
Economista

Veja o estudo completo aqui.

INTEGRAÇÃO VERTICAL DA GESTÃO OU INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS

Unidades Locais de Saúde — solução ou problema?

O Ministério da Saúde anunciou a criação em 2023 d.e mais quatro Unidades Locais de Saúde (ULS) — Guimarães, Aveiro, Entre o Douro e Vouga, e Leiria —, a juntarem-se às oito já existentes. Repetem-se argumentos de «ganhos de saúde», com o «foco nos utentes», mas será que a integração vertical da gestão de hospitais e centros de saúde garante necessariamente integração de cuidados?

por António Rodrigues   

Uma recente deliberação do Ministério da Saúde anuncia que no primeiro trimestre do presente ano irão ser criadas mais quatro Unidades Locais de Saúde (ULS), acrescentando-se às oito actualmente existentes, fundamentando-se a decisão na capacidade que esta modalidade organizacional terá de melhorar a interligação dos cuidados de saúde primários/centros de saúde com os cuidados hospitalares.

A ser repetido o modelo das já existentes actualmente, haverá lugar a uma integração vertical dos hospitais e centros de saúde envolventes, passando agora a ser administradas por um conselho de administração único e convencional que passará a tutelar os dois níveis de cuidados.


Este desígnio de unificação de organizações tradicionalmente distintas é apresentado de forma sedutora por parte dos decisores que, argumentam, irá construir uma tão necessária quanto desejada integração e decorrente fluência na prestação dos cuidados de saúde. Sob esse comando único de gestão unificada eliminar-se-ão, dizem-nos, as barreiras actuais e garantir-se-á a fluidez nos circuitos que os doentes necessitam de percorrer ao longo dos cuidados primários e dos cuidados hospitalares.


Uma breve cronologia da criação das ULS


A primeira ULS foi criada em Matosinhos, em 1999, com a unificação da administração do Hospital Pedro Hispano com a dos centros de saúde da área envolvente. Só quase uma década mais tarde o modelo voltou a ser replicado, agora com a criação da ULS do Norte Alentejano (2007), a que se seguiu a criação das ULS da Guarda, do Baixo Alentejo e do Alto Minho (2008), de Castelo Branco (2009), do Nordeste (2011) e do Litoral Alentejano (2012).


Considerada uma óptica regional, até ao presente não existem ULS somente em duas das cinco regiões de saúde nacionais — nas ARS Lisboa e Vale do Tejo e na do Algarve.


Em 10 de Dezembro de 2022, a recém-criada Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) anunciou o lançamento de quatro novas ULS-EPE já para o primeiro trimestre de 2023 — Guimarães, Aveiro, Entre o Douro e Vouga, e Leiria —, afirmando que este modelo permitirá obter «relevantes ganhos em saúde, através da optimização e integração de cuidados, da proximidade assistencial, da autonomia de gestão, do reforço dos cuidados de saúde primários, sempre com o foco nos utentes». Será assim?


A falta de evidência acerca dos ganhos qualitativos das ULS


A recensão bibliográfica do até agora publicado acerca do desempenho das ULS já existentes revela, no essencial, que as expectativas anunciadas aquando da sua criação, e agora reiteradas, estão de longe de ser confirmadas.


Até porque os vários estudos disponíveis invariavelmente pecam ao não compararem o desempenho prévio das instituições com o obtido após a sua criação, ou por não compararem os dados de desempenho das instituições homólogas em modelo convencional com o das ULS, ou por os indicadores tratados se restringirem à vertente hospitalar, esquecendo os cuidados primários/centros de saúde.


É a própria Entidade Reguladora da Saúde (ERS) quem, em publicação de Fevereiro de 2015, vem confirmar que as expectativas colocadas nas ULS ficam aquém dos propósitos inicialmente anunciados. A título de exemplo, transcrevem-se duas passagens dessa publicação: «Numa perspetiva temporal do acesso a cirurgias, em termos médios, não se verificam diferenças significativas entre estabelecimentos integrados e não em ULS»; e «os eventuais ganhos ao nível da coordenação entre cuidados de saúde primários e hospitalares proporcionados pela criação de ULS não se estarão a refletir numa redução de hospitalizações desnecessárias» (1).


Assim mesmo, o recém-nomeado director executivo do SNS, Fernando Araújo, em declarações públicas recentes insiste em afirmar que o propósito de aumento de 50% de ULS no país «representa uma dimensão profunda na construção de instrumentos de planeamento e organização do SNS, com relevantes ganhos em saúde, através da optimização e integração de cuidados, da proximidade assistencial, da autonomia de gestão, do reforço dos Cuidados de Saúde Primários, sempre com o foco nos utentes».


Não pode então deixar de merecer crítica a recente decisão do Ministério da Saúde em insistir na multiplicação de um modelo de organização para o SNS que não assenta numa robusta e confirmada avaliação, isenta, ampla, rigorosa e credível.


Mas trata-se de integração vertical da gestão dos hospitais e centros de saúde ou integração de cuidados? É que não é mesmo a mesma coisa. Quando concordamos com uma tão desejável quanto necessária integração de cuidados, a questão não pode ser reduzida a uma mera fusão de instituições de natureza, organicidade e com tipologia de intervenção diferenciadas, mas agora administrados por um conselho de administração único e convencional.


Mormente, quando ainda é dominante um modelo de administração/gestão que permanece acorrentado a uma tradição cultural onde prevalece o centralismo, eminentemente burocrático e onde prevalecem as práticas de comando-controlo.


Tudo isto em organizações onde a gestão do conhecimento e cada decisão técnica se concentram, e são diariamente exercidas, na sua periferia pelos prestadores directos dos cuidados de saúde, e não num qualquer departamento central de inovação e desenvolvimento.


Talvez não por acaso, muitos são os autores consagrados da área da gestão que, há já longo tempo, vêm contrariando tais práticas gestionárias. Na área da saúde em particular, Henry Mintzberg é um desses incontornáveis autores que, já em 2001, alertava: «Porque são os chamados sistemas de saúde tão notoriamente difíceis de gerir? (…) A explicação óbvia é que estes são um dos sistemas mais complexos conhecidos pela sociedade contemporânea.»


Daí que o desafio da integração de cuidados não seja passível de ser reduzido a uma mera integração organizacional e à fusão da gestão num conselho de administração único. Fazê-la acontecer imporá estudo, reflexão e incorporação da evidência disponível para a formulação das respostas adequadas.


À partida, é toda a lógica e cultura das organizações que tem de mudar. Que resultados podemos esperar de uma mera integração vertical dos serviços anunciada pela fusão hospitais/centros de saúde, face ao que se conhece da realidade? É que esta caracteriza-se, nomeadamente, pelos seguintes elementos:


• a imensa dificuldade de desconcentração da gestão/tomada de decisão, hoje ainda a patente nas nossas organizações de saúde;


• a cultura ainda hoje dominante, na sua essência eminentemente hospitalocêntrica;


a natureza das instituições hospitalares, inevitavelmente concentradora intensiva de tecnologias e outros recursos — todos eles caros;


• a fortiori, que nem na realidade hospitalar se divisa uma eficaz articulação/fluidez entre os serviços/especialidades que o integram;


• os constrangimentos criados por um sistema de informação que retalha a informação clínica, aprofundando a lógica de serviços monodisciplinares e com escassos níveis de cooperação interespecialidades em situações de multimorbilidade ou multissistémicas, bem como a escassa partilha dessa informação com os cuidados primários.


A realidade tem confirmado pouco mais que a transformação dos centros de saúde em serviços-satélite do hospital-sede, fortemente condicionados pela natural «apetência orçamental» deste e pela submissão aos seus «interesses maiores».


Por outro lado, são ignoradas as substanciais diferenças da estratégia de intervenção na relação saúde-doença próprios de cada um dos níveis de cuidados (ver Tabela 1).



O histórico das ULS actuais vem demonstrando tudo isto, como acontece também com a experiência americana — na Califórnia, a «Kaiser Permanente» e a integração da HMO (Health Maintenance Organization) — e, mais perto e recentemente, a espanhola — os «oligopólios» catalães e o valenciano complexo hospitalar de la Ribera —, ou ainda o recente arrepiar de caminho de iniciativas semelhantes no Reino Unido.


Mas, na sua essência, o que terá determinado todos estes fracassos? Se é verdadeiramente de integração de cuidados que queremos falar terá então que haver lugar a uma gestão estratégica «externa» a ambos os níveis de cuidados que proceda à identificação das necessidades em saúde de âmbito regional/local, que determinará as necessidades em produção de actos de saúde adequados para a resposta a essas necessidades e que, seguidamente, as contratualizará com a gestão operacional do hospital e dos centros de saúde integrantes do que terá que ser uma ULS de tipo novo. E terá de haverá uma alocação financeira, previamente determinada (prospectiva), distinta para cada um dos níveis de cuidados.


Estaremos, então, perante uma organização holding-like (passo o anglicismo) ou, se assim quisermos, uma parceria público-público.


Tornar isto possível obriga a uma muito maior sofisticação gestionária, uma vez que os gestores terão, necessariamente, de estar capacitados para lidar com as noções de complexidade inerentes à análise e gestão dos sistemas adaptativos complexos, porque lidam com estruturas, fundamentalmente, de gestão do conhecimento. No caso, os hospitais, os centros de saúde e, a acrescentar complexidade, a efectividade da sua complementaridade. Terão, também, de saber desfocar-se duma abordagem centrada nas instituições para uma análise centrada nas necessidades, satisfação e participação dos cidadãos/comunidades.


Acresce que, quando em defesa das ULS actuais se argumenta com os ganhos de eficiência, como resultado de economias de escala decorrentes da criação de serviços de utilização comum (sistema de informação, imagiologia, patologia clínica, back office…), argumento a que somos sensíveis, a verdade é que também a segunda alternativa em nada impedirá essas concretizações.


Do que se trata, em resumo, é de saber construir-se uma gestão estratégica tecnicamente robusta a que terá de corresponder, em cada um dos pólos de produção, uma próxima e adequada gestão operacional.


Finalmente: integração de serviços e da sua gestão com a ideia de que esta constitua, como que por milagre, a desejável e tão necessária integração de cuidados, afigura-se como um erro crasso. Quod erat demonstrandum.


António Rodrigues


Médico de família.

(1) Cf. «Estudo sobre o Desempenho das Unidades Locais de Saúde», disponível em www.ers.pt/uploads/writer_file/document/1298/Estudo_sobre_o_Desempenho_das_ULS_-_final.pdf.

LUÍS CAMPOS AVISA QUE DEVE HAVER INCENTIVOS QUE RECONHEÇAM “O PAPEL NUCLEAR DA MEDICINA INTERNA”

8 de Janeiro de 2025

O especialista Luís Campos avisou que deve haver incentivos que reconheçam “o papel nuclear da Medicina Interna” nos hospitais. “Somos poucos [internistas], temos má qualidade de vida e cada vez vamos ser mais necessários em função da evolução epidemiológica dos doentes que vamos ter nos hospitais. Portanto, é fundamental proteger esta especialidade”, defendeu presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna. “Tem que haver incentivos que reconheçam este papel fundamental, nuclear, da Medicina Interna nos hospitais, se não os estudantes licenciados cada vez mais vão abandonar esta especialidade e se isso continuar a acontecer será a derrocada da qualidade dos cuidados que nós prestamos, particularmente a nível do Serviço Nacional de Saúde”, alertou Luís Campos.

(Lusa/ in Diário Farmacêutico de 26/01/23)

Opinião: Notícias

SERVIÇOS NACIONAIS DE SAÚDE

E SE PARÁSSEMOS PARA PENSAR? E QUEM SABE VOLTAR ATRÁS?

O Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) anuncia-se naquele país a caminho do fracasso. Ele que serviu de exemplo ao nosso e que, tal como o português, durante anos funcionou muito bem. No caso dele, literalmente de modo exemplar.

O que aconteceu? Basicamente foram-lhe sendo introduzidas alterações que se mostraram negativas, depois desastrosas, a médio e longo prazo. E chegámos a este momento. E aos que se lhe seguirão, na senda do caminho percorrido até agora, se não for modificado.

Para nós o mais preocupante é que, para além de ser um serviço de que o nosso basicamente foi decalcado, as alterações que levaram à sua degradação também foram copiadas para o nosso SNS. Mais tarde, de modo que os mesmos efeitos se seguirão às mesmas causas no seu tempo próprio... É claro que o facto de o nosso serviço nacional de saúde ser uma espécie de cópia tardia do britânico, poderia dar-nos a possibilidade de ir atempadamente corrigindo o que naquele se mostrou mal feito. Mas, para isso, seria necessário que quem levou aos maus resultados, e quem os acompanhou, e eventualmente os agravou, os reconhecesse como tal, os assumisse, os anunciasse à sociedade. Para que se alterassem de imediato as causas, de modo a evitar e a reverter os efeitos indesejáveis. Ora, surpreendentemente, não é isso que tem acontecido! Lá como cá. Mesmo que, e relutantemente, os responsáveis pela Saúde vão reconhecendo que o que funcionava bem em tempos agora não funciona (porque há termo de comparação!), as razões apontadas para tal procura-se, sistematicamente, que se mantenham externas ao que se fez nas mais variadas áreas (incluindo na organização médica), ao que nelas se mudou, ao que se alterou, e que obviamente levou ao que se tem agora. Nada de aceitar que foram erros, nada de entender que nem tudo o que se pensou ser para melhor assim resultou! Teimosamente invoca-se apenas que as condições mudaram… Quando muito dessa mudança, que é óbvia, foi condicionada também, e nalguns aspectos até sobretudo, pelo que foi feito mudar na estrutura que suporta os serviços de saúde, nomeadamente na gestão hospitalar, clínica e administrativa, na rede nacional de instituições públicas de saúde e nas carreiras profissionais, acima de tudo nas carreiras médicas.

E essa incapacidade de reconhecer os erros (muitas vezes próprios, por parte dos dirigentes e profissionais na área da Saúde) é acompanhada por outra, ainda mais preocupante: a de vislumbrar uma solução. Na realidade, as duas juntas consubstanciam a situação: está-se dentro dum túnel, não se sabe como para lá se entrou nem, portanto, como se poderá de lá sair…

A situação no Reino Unido é complicada, e a portuguesa acompanha-a paralelamente. Não será altura de pararmos para pensar? Diz o povo que, quando se está dentro dum buraco que escavámos e de que não se sabe já para que lado é a saída, a primeira coisa a fazer é parar de cavar. Que tal se, em vez de continuarmos pelo caminho que, em muitos aspectos do que se anunciava “moderno”, e “diferente”, como “lá fora” (Reino Unido?...), se revelou errado, procurarmos perceber, sem complexos, o que correu mal? E, quem sabe, recuar nalgumas áreas? Para posições confortáveis e seguras (e que se sabe que o são, porque já lá estivemos antes…), donde se possa então progredir doutro modo para um futuro melhor do que o presente que temos agora.

As guerras têm-nos demonstrado uma coisa às vezes esquecida na ânsia cega de avançar: recuar nem sempre é sinal de derrota ou de fraqueza, pode ser, pelo contrário, o começo dum avanço vitorioso. E quer parecer que para a saúde dos Serviços Nacionais de Saúde britânico e português é o que se precisa, quando o que se tinha antes era melhor que o que se tem agora. Esperemos que quem de direito acabe por perceber isso, e parem de cavar e de nos meter cada vez mais no buraco, cada vez mais longe da saída. A não ser que o objectivo de quem de direito seja mesmo esse… Mas vamos acreditar que não.

Carlos M. Costa Almeida, Prof. Doutor

Faculdade de Medicina de Coimbra
Centro Cirúrgico de Coimbra

Ex-Director de Serviço de Cirurgia do Hospital Geral-CHUC 

Opinião: Notícias
Opinião: Notícias

VITOR ALMEIDA: “PERDEMOS UMA OPORTUNIDADE DE OURO DE MARCAR A HISTÓRIA DA MEDICINA EM PORTUGAL”

“Chumbo” da especialidade de urgência é oportunidade perdida, alerta médico.
O chumbo da especialidade de Medicina de Urgência não era o desfecho esperado para uma proposta há mais de duas décadas desejada. A votação, que segundo o presidente do Colégio da Competência em Emergência Médica “foi um choque”, “não representa a maioria dos profissionais informados, os diretores de serviços de urgência e muito menos os legítimos interesses de dez milhões de portugueses”. Sobre o futuro que espera ao SNS, Vitor Almeida alerta: “os diretores de serviço vão ter de continuar a contratar tarefeiros em número crescente sem (…) oferecer uma carreira que tanto defendemos para o nosso SNS”.
Vitor Almeida: “Perdemos uma oportunidade de ouro de marcar a história da Medicina em Portugal”
HealthNews (HN)- Há mais de vinte anos que se discute a criação da especialidade de Medicina de Urgência. Em que medida esta nova especialidade iria contribuir para a melhoria do funcionamento do sistema de saúde?
Vitor Almeida (VA)- Em primeiro lugar, garantíamos uma melhoria qualitativa dos cuidados médicos de urgência. Esta questão está cientificamente comprovada e a própria Organização Mundial da Saúde recomenda que todos os países implementem esta especialidade, de forma a garantir um serviço de urgência e emergência com qualidade a todos os cidadãos.
Em segundo lugar, poderíamos alocar especialistas desta área em toda a rede de urgência do Serviço Nacional de Saúde e reforçar as estruturas existentes. É importante sublinhar que, neste momento, parte relevante da força laboral dos Serviços de Urgência Básica, Urgência Médico-Cirúrgica, Polivalente e de Medicina de Emergência Pré-Hospitalar / Transferências, é assegurada por médicos sem qualquer especialização.
Em terceiro lugar, esta especialidade iria trazer mais-valias a nível organizacional. Os hospitais poderiam recrutar, para as suas equipas de urgência, profissionais com uma carreira dedicada a esta área. Atualmente, estas equipas são formadas por médicos de diferentes especialidades, sem qualquer vínculo a um “Serviço” de Urgência (SU) propriamente dito, o que impede a criação de estruturas verdadeiramente “dedicadas”.
HN- Mas a implementação desta especialidade só iria dar frutos passado alguns anos…
VA- A Especialidade de Medicina de Urgência não iria só dar frutos daqui a cerca de seis anos após a formação dos primeiros Internos, mas muito antes. Para garantir uma transição e a possibilidade de reorganizar os SU com maior celeridade e criar um “pool” de formadores, foi proposta uma admissão por consenso muito abrangente e alargada, que permite atribuir o título de especialista de Medicina de Urgência a todos os especialistas com mais de dois anos de experiência, que exercem atividade clínica nesta área, e que cumprem uma série de critérios do ponto de vista formativo. Mas voltando às vantagens já mencionadas: este modelo de equipas fixas com especialistas dedicados iria permitir investigação com qualidade. Esta possibilidade não existe atualmente nos serviços de urgência como desejamos. É extremamente difícil poder organizar qualquer tipo de investigação que é crucial para garantir dados fiáveis e percebermos o que estamos a praticar neste momento. O controlo de qualidade seria evidentemente facilitado.
HN- Olhando para a pressão nos serviços de urgência hospitalar a nível nacional, faria então todo o sentido termos médicos especialistas nesta área?
VA- É importante reforçar o que o nosso colégio sempre afirmou que esta especialidade não é uma solução para todos os problemas do sistema, mas é inegável que constitui uma peça fundamental, incontornável e a única que está exclusivamente na mão dos médicos. Todas as outras dependem do poder político. Curiosamente, e após a votação negativa que foi recebida com estupefação por muitos colegas, alguns detratores desta causa já admitem que “ainda não é o timing“, dando a entender que até concordam com o conceito da especialização. Não podemos ignorar o facto de que muitos dos opositores desta especialidade ou não exercem na medicina de urgência / emergência, ou são em grande parte colegas que vivem ou viveram a realidade dos grandes hospitais de fim de linha. É importante perceber que em Portugal existem hospitais de média e pequena dimensão, Serviços de Urgência Básica, e uma Emergência Pré-Hospitalar fragilizados e dependentes de médicos sem formação supervisionada pela Ordem. Só a especialização garante essa segurança, e é sobretudo nesses hospitais e nessas áreas de atuação, onde estes especialistas seriam uma mais-valia, salvando vidas e garantindo ganhos em saúde para nós todos.
HN- Apesar ser já ser uma realidade na maioria dos países europeus, em Portugal esta especialidade ainda divide opiniões. Estaremos a insistir num erro?
VA- A vasta maioria dos países europeus já implementou esta especialidade, só Portugal, Chipre e Áustria é que não, sendo que a vizinha Espanha já a implementou no setor militar, prevendo-se o alargamento em 2023 para a generalidade do sistema. Se a tivéssemos implementado há dez anos, o nosso Serviço Nacional de Saúde já teria equipas reforçadas com estes especialistas bem formados e preparados para responder às verdadeiras necessidades dos doentes.
Nesta época festiva vai acontecer seguramente o mesmo que aconteceu no verão. Se estamos dependentes de médicos tarefeiros e de profissionais que não fazem parte do quadro daquela equipa de urgência, as escalas vão voltar a ficar desfalcadas. E os resultados estão à vista.
HN- Manuel Pizarro já admitiu a possibilidade de existirem constrangimentos em algumas urgências hospitalares no Natal e fim de ano.
VA- Esses constrangimentos vão surgir por duas razões. Em primeiro lugar, o SNS não está a conseguir segurar os profissionais que especializa. Apesar de as questões salariais não serem da competência da Ordem dos Médicos, é evidente que é um aspeto que explica a falta de médicos. Curiosamente acabamos por gastar avultadíssimos valores em horas extraordinárias e em médicos tarefeiros, com pagamentos muito díspares e iniquidade. Isto cria um sentimento de injustiça dentro da classe médica, que é compreensível, e que não facilita uma reflexão objetiva sobre este tema.
HN- A Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos chumbou a criação da especialidade de Medicina de Urgência. Qual a leitura que faz da rejeição manifestada pela instituição?
VA- Vivemos num sistema democrático, por isso só nos resta aceitar este veredito. Temos de respeitar esse voto mas que no nosso entender não representa a maioria dos médicos informados sobre esta temática. Quem apelou ao voto contra? O Colégio de Medicina Interna, da Pediatria e o da Medicina Geral e Familiar. É preciso perceber que dentro da Medicina Interna as opiniões se dividem. Uma parte importante dos colegas mais novos é a favor da especialidade. O mesmo se aplica à Pediatria. Observamos, por um lado, a posição pública do senhor presidente do Colégio de Pediatria, o Dr. Jorge Amil, colega honrado que respeito, e que se manifesta sempre contra esta especialidade, e, por outro lado, a posição da Sociedade Portuguesa de Pediatria de Urgência e Emergência que é a claramente a favor.
Relativamente à Medicina Geral e Familiar tenho ouvido comentários de colegas manifestando total “estupefação” face à posição do Colégio, nomeadamente depois da clara contestação nos órgãos próprios por parte de colegas que discordam da posição do Sr. Presidente. Não percebemos como é que a MGF se junta à posição contra uma especialidade que é fundamental para o atendimento dos doentes, com rigor e qualidade, no mundo civilizado. O que é que vai acontecer agora? Assistirmos a doentes referenciados dos hospitais para os Centros de Saúde que nem conseguem dar resposta aos seus próprios utentes e ainda são obrigados a atender doentes agudos para aliviar os Hospitais? E quem triou esses doentes no SU e decide quem fica no SU? Médicos indiferenciados? Um sistema de triagem automatizado? Como se explica que responsáveis da MGF (que sempre lutou para que um médico de família fosse especialista com um internato de quatro anos), defendam que “urgêncistas” não precisem também de ser especializados com um internato de cinco anos como o curriculum europeu exige? Onde está a coerência técnico-científica? Não se compreende como é que alguém com responsabilidades no sistema possa rejeitar um modelo que garante mais organização e qualidade. Temo que esta postura de bloqueio para soluções concreta contribua indiretamente a médio e longo prazo também para que se sobrecarreguem ainda mais os cuidados de saúde primários com os problemas de urgência.
Quem apelou ao voto contra vai ter de encontrar soluções concretas, viáveis e alternativas qualitativas, nomeadamente para garantir segurança na verdadeira urgência e emergência aos portugueses de forma sustentável, desde o momento da ocorrência até ao internamento no serviço de destino. Já nem falo da crucial importância destes especialistas para a Medicina de Catástrofe. Somos um país de fraca memória.
Todos concordamos que foi com os Internatos Médicos de Especialidades que demos o grande salto qualitativo na medicina em Portugal. Que se aplique o mesmo princípio nesta área vital. Sobretudo o Colégio de Pediatria, ao apelar ao voto contra, vai ter de encontrar uma justificação plausível para os portugueses, que vá muito além dos artigos publicados por parte do seu Presidente, para rejeitar um plano formativo, com qual até acabou por colaborar, e que inclui a abordagem especializada desde o recém-nascido à criança crítica vítima de doença ou acidente, com o foco de atuação no Pré-Hospitalar e Unidades de SU sem pediatras.
HN- Se é uma especialidade defendida por antigos e atuais diretores de serviços de urgência não seria de esperar que a Ordem dos Médicos desse ouvidos a estes apelos e fizesse parte da solução?
VA- É preciso registar que nesta votação só um terço do número total de elementos da Assembleia de Representantes votou contra. A presença de só metade da totalidade dos colegas da AR e a forte motivação do voto contra, bem patente com o apelo para a rejeição dos colégios supracitados, explica os resultados. Em democracia temos de saber respeitar resultados mas será também a democracia e a ciência a encontrarem o caminho certo que defenda os interesses dos nossos doentes, de uma forma ou outra.
Relativamente aos manifestos de apoio que registamos, efetivamente um foi o dos antigos e atuais diretores de serviços de urgência. Ninguém melhor do que estes médicos e colegas conhecem os problemas das urgências. Houve também apoios fortíssimos de várias sociedades científicas nacionais e internacionais. Chegaram cartas de apoio à Ordem, da Sociedade Europeia e de mais de 20 Sociedades nacionais Europeias, da Federação Mundial de Medicina de Urgência/Emergência, do American College, etc. Todos esperançados em ver Portugal integrado nesta vastíssima comunidade científica. Para os nossos colegas e parceiros europeus o resultado da votação foi um choque. Temos ouvido argumentos contra a Especialidade que não fazem qualquer sentido e que roçam o absurdo. Frases como: “se pagarem a todos os médicos 70 euros à hora extra, os problemas nas urgências em Portugal ficam resolvidos” são absolutamente inaceitáveis e revelam um atroz desconhecimento da verdadeira problemática no terreno. Outro argumento ouvido foi que se “considerasse um risco criar-se uma especialidade onde os médicos não têm retorno das situações clínicas que observam e não seguem doentes no internamento”. Eu como anestesista não interno doentes, nem sigo durante meses o doente atropelado que reanimo na estrada quando exerço numa VMER, da mesma forma que o médico de família pode estar a atender doentes agudos (que não são do seu ficheiro) e não os segue durante toda a vida. Portanto, este tipo de argumento para desvalorizar a Especialidade, é simplesmente ilógico.
Um outro argumento apontado é que têm de ser primeiro resolvidos todos os problemas do SNS para depois avançar com a especialidade. A questão é que estes processos têm de decorrer em paralelo. Problemas multifatoriais exigem soluções versáteis e que sigam o estado da arte médica mundial.
HN- Esta questão da criação da especialidade ganha ainda maior relevância ao tratar-se de uma das poucas medidas que está exclusivamente nas mãos dos médicos…
VA- Exatamente. Todas as outras soluções dependem do poder político, do Ministério das Finanças e da organização do SNS. A formação médica e a qualidade dos serviços prestados aos doentes estão nas mãos dos médicos e neste caso houve um compromisso forte também do governo e iniciativas favoráveis por parte da oposição. Existe um consenso claro e forte nos que querem ser parte da solução. O nosso próprio Bastonário reconheceu que a Especialidade irá trazer benefícios para os doentes, tendo também ele sempre manifestado como nós, e de forma muito ponderada, que não é a solução para todos os problemas dos SU. Portanto, perdemos uma oportunidade de ouro de marcar a história da Medicina em Portugal neste dia doze de dezembro. O que estava neste momento nas mãos da Ordem dos Médicos vai passar tal como aconteceu com a Medicina Intensiva, para a esfera política. Tivemos a oportunidade de marcar posição e de manter o controlo de todo este processo. Enquanto presidente do Colégio proponente e respeitador da importância da Ordem, não é algo que veja com agrado. Gostava de ter visto este tema encerrado no seio da Ordem dos Médicos. Até porque não era uma proposta definitiva e compete ao colégio instalador otimizar o processo. Se existiam dúvidas bastaria terem proposto adiar a votação e permitir que se esclarecessem melhor os próprios médicos envolvidos e depois tomava-se uma decisão. Infelizmente foi votado negativamente e estou convicto que esta rejeição não representa a maioria dos profissionais informados, os diretores de serviços de urgência, e muito menos os legítimos interesses de dez milhões de portugueses.
HN- Que consequências poderão surgir com uma não implementação da Especialidade?
VA- Não é uma decisão que traga benefícios para a população portuguesa. Vamos continuar a ter dificuldades em criar equipas fixas especializadas e na gestão dos recursos humanos. Portanto, estes problemas que temos, irão agravar-se sem qualquer dúvida. Está em causa o pressuposto da equidade no acesso a cuidados de urgência e emergência, se não se reverter esta tendência.
HN- Qual o futuro que prevê para os serviços de urgência do SNS nos próximos tempos?
VA- Vamos continuar a assistir a uma assimetria de cuidados que considero muito preocupante. Vamos continuar a ter uma rede de Serviços de Urgência Básica, Médico-Cirúrgica e Polivalente sem qualquer especialista nesta área. O INEM vai continuar a ter dificuldades em recrutar médicos para uma carreira especializada porque simplesmente não existe. Os diretores de serviço vão ter de continuar a contratar tarefeiros em número crescente sem poderem criar um espírito de equipa e oferecer uma carreira que tanto defendemos para o nosso SNS. Os jovens médicos que se queriam dedicar a esta área só vão ter duas opções: emigrar ou continuar a ser autodidatas. Há dados que mostram que quase 80% dos médicos jovens poderiam estar interessados nesta especialidade. Portanto, estamos a fechar a porta a uma nova geração de médicos que sonham seguir este caminho. Tendo em conta que no fim vencerá o bom senso e a Especialidade em Medicina de Urgência será uma realidade também e Portugal, resta-nos continuar neste caminho de pedras. Não desistiremos. Perdemos uma votação, é um facto. Mas há derrotas para os vencidos, que são vitórias Pírricas para os vencedores.

N.N./Lusa · Atualidade

NEWSLETTER DA SPEDM - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO/TESTEMUNHO

Sou especialista em Endocrinologia, Obesidade e Diabetes em Londres, no Guy’s and St Thomas’ NHS Foundation Trust.

Durante o internato, fiz um estágio de três meses em Endocrinologia Geral em Londres, com a Professora Barbara McGowan. O contacto inicial foi facilitado pela Professora Mariana Monteiro, a quem muito agradeço. Terminei a especialidade no Hospital de Braga em 2019. Após concluir a especialidade, voltei para o Guy’s and St Thomas’ como Obesity Clinical Research Fellow. Durante três anos, trabalhei exclusivamente em obesidade em três áreas:

- Investigação. Fui sub-investigadora em vários ensaios clínicos. O serviço de Endocrinologia tem um centro clínico académico integrado, cujo portfolio é exclusivamente composto por estudos em diabetes, endocrinologia e obesidade, além de uma equipa permanente dedicada à investigação;

- Médica num programa online estruturado para a perda e manutenção de peso, que inclui low-calorie diets e farmacoterapia para os doentes elegíveis (Saxenda® e, a partir de 2023, Wegovy®). Faço parte de uma equipa multidisciplinar que inclui nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e médicos. O programa tem a duração de 24 meses e decorre numa plataforma digital em grupos de quinze participantes. Mais de 1250 participantes fazem parte do programa anualmente;

- Médica em contexto hospitalar na avaliação de doentes pré e pós-cirurgia bariátrica.

No Reino Unido, a formação de um endocrinologista demora sete anos (três anos de tronco comum médico e quatro anos de formação específica em Endocrinologia, Diabetes e Medicina Interna). São especialistas em Endocrinologia, Diabetes e Medicina Interna. Após a especialidade, podem trabalhar como Clinical Fellow numa determinada área temática antes de se tornarem Consultant (especialista). Enquanto especialistas, geralmente trabalham nas enfermarias de Medicina Interna três meses por ano.

Comparativamente a Portugal, as grandes diferenças são as áreas de especialização vincada, o trabalho e reuniões multidisciplinares, e o constante feedback formal e informal. Há mais flexibilidade – mesmo durante a formação – para fazer investigação, participar noutras atividades ou ter um horário reduzido por motivos pessoais. Também desde cedo motivam a formação em liderança e gestão de equipas.

Para trabalhar no Reino Unido, mesmo num estágio observacional, é necessária a inscrição no General Medical Council, o que inclui um exame de inglês. Após o Brexit, a transição de Portugal para o Reino Unido tornou-se mais difícil por não haver um reconhecimento automático da formação em Endocrinologia.

Logo após o fim da especialidade, decidi emigrar pela experiência de trabalhar no NHS e viver em Londres, ter a oportunidade de me subespecializar em obesidade, e pela flexibilidade. O reverso é a instabilidade dos contratos temporários e as oportunidades mais limitadas pela minha falta de formação em Medicina Interna.

Planeio continuar no Reino Unido, agora como Consultant, porque sou profissionalmente muito realizada e Londres é agora casa.

Cláudia da Matta Coelho

(Guy's and St Thomas' NHS Foundation Trust)

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Terminei o meu internato de Endocrinologia em 2016, e rumei depois a Londres para me diferenciar em patologia hipotálamo-hipofisária. Entre 2016 e 2019 fiz o meu doutoramento no laboratório da Professora Márta Korbonits na Queen Mary University of London (QMUL), financiado por duas bolsas que me foram atribuídas por instituições britânicas após processos de seleção competitivos. Durante esses 3 anos em Londres, participei também na consulta externa e nas diferentes reuniões clínicas e multidisciplinares no St Bartholomew’s Hospital como Clinical Fellow. Em 2019 mudei-me para Leiden onde realizei um estágio clínico e de investigação financiado por uma bolsa da UEMS no Centro de Tumores Endócrinos na Leiden University Medical Center (LUMC) sob orientação do Professor Alberto Pereira. Posteriormente, estive em Malta sensivelmente 1 ano a trabalhar num projeto médico para uma agência da União Europeia. Regressei a Portugal no ano passado.

Sem dúvida que o marco principal nesta “epopeia” foi a realização do doutoramento na QMUL, feito que considero determinante na minha carreira pois desenvolvi uma série de novas capacidades e competências, e conheci muitas pessoas, locais (viajei imenso!) e diferentes realidades e métodos de trabalho. Foi verdadeiramente inspirador trabalhar com a Professora Márta Korbonits, uma das grandes referências mundiais em patologia hipofisária, e tê-la como mentora ao longo desta viagem. Beneficiei muito da sua sabedoria, e por seu intermédio, vi-me envolvido num vasto leque de projetos aliciantes, dos quais destaco o International FIPA Consortium (estudo que inclui mais de 3000 doentes com tumores hipofisários provenientes de mais de 60 países), e a contribuição a convite para várias revistas (como o The Journal Clinical of Endocrinology & Metabolism) e outras fontes bibliográficas de relevo em Neuroendocrinologia (por exemplo a 5ª Edição do Livro The Pituitary, ou o Endotext). Destaco ainda a sensação de realização pessoal com o término do doutoramento, cujo início foi marcado por uma autêntica “saída da zona de conforto”, não só relacionada com a mudança de país e língua, mas também com a mudança de ambiente de trabalho (literalmente do hospital para a bancada do laboratório). Paralelamente, mantive atividade clínica no St Bartholomew’s Hospital e na LUMC essencialmente dedicada a doentes com tumores hipofisários, tumores neuroendócrinos e tumores da suprarrenal/paragangliomas, o que me permitiu ganhar experiência clínica e conhecimentos em patologia endócrina mais complexa.

Esta experiência além-fronteiras, em diferentes países e muito diversificada, foi extremamente enriquecedora do ponto de vista profissional e pessoal, tendo alargado imenso os meus horizontes e a minha rede de contactos a nível europeu. Por outro lado, este percurso dotou-me de um conjunto de competências que considero muito relevantes para a minha atividade clínica, académica e científica como médico endocrinologista e investigador em Portugal. Esta experiência ajudou-me também na redefinição dos meus objetivos profissionais, bem como na minha capacitação para os atingir, que passam agora por desenvolver a minha atividade clínica dedicada especialmente a doentes com patologia hipofisária, bem como manter a minha atividade académico-científica na área da Neuroendocrinologia, e ainda contribuir na educação e formação médica pré- e pós-graduadas.

Atualmente, trabalho como médico endocrinologista no Serviço de Endocrinologia do Hospital de Santa Maria, e faço investigação clínica e básica na área de Neuroendocrinologia potenciadas pela recente angariação de 2 bolsas de investigação (uma nacional e outra americana). Leciono também na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, colaboro como revisor em várias revistas científicas, sou consultor para a Agência Europeia do Medicamento (EMA), e recentemente fui admitido como membro da direção do ENEA Young Researchers Committee (EYRC). Em termos de perspetivas futuras no SNS, pretendo continuar a dar o meu contributo sobretudo para a melhorar os cuidados médicos prestados aos doentes com patologia endócrina, mas também na formação de internos da especialidade não só em termos clínicos assistenciais, mas também na vertente científica e académica.

Pedro Marques 

(Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN); Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL); Centre for Endocrine Tumors, Leiden University Medical Centre (LUMC))

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No dia a seguir a ter feito o exame final do internato médico de endocrinologia, apresentei a minha carta de despedida do SNS, escrita à mão, datada de 29 de outubro de 2015, que ainda guardo e guardarei, uma espécie de sentimento agridoce. “Agri”, porque sempre me imaginei a trabalhar e envelhecer na minha “segunda casa” e teria ficado, se as condições fossem diferentes (ainda hoje tenho saudades do frenesim, da amizade e do companheirismo, das reuniões de serviço, da resistência e da resiliência, algo que estranhamente se entranha e que nos faz querer voltar). E “doce” porque tinha projetos, ideias e planos de uma medicina “melhor” do ponto de vista de qualidade de vida. E quando falo em qualidade de vida desengane-se o que acha que se tratava apenas de cifrões (porque, trabalhando na privada sem contrato e com a mesma dita qualidade de vida, que é o meu caso, com a carga fiscal, os descontos salariais, o seguro de acidentes de trabalho e outros custos inerentes, sobra sim uma verba mais alta e merecida mas com o custo da ausência da segurança contratual de um funcionário público e com o esforço acrescido de “estar sozinho”, a trabalhar sozinho, sem um Serviço e, como tal, com a necessidade constante de busca de atualizações e novidades científicas porque, estando cada um por si, a atualização científica dependerá obviamente de cada um – e na medicina, não nos atualizarmos é pura e simplesmente ficarmos para trás). Tratava-se disso mesmo, qualidade de vida, tempo para nós, tempo para a família e amigos, tempo para estudar, tempo para trabalhar, tempo para viver, tempo para ir mais devagar e com mais calma no dia-a-dia, sem a sensação de corda sempre esticada e sem o excesso de trabalho que acaba sempre por sobrar para os que mais se preocupam. Além disso, mais tempo para os doentes, na consulta e à distância, mais tempo para ouvir e ser ouvido, mais tempo para fazer uma medicina como acredito que deva ser (porque quantidade não é qualidade e porque tratamos pessoas e não exames, nem ecrãs de computadores, e as pessoas trazem com elas na bagagem dúvidas, receios e anseios).

Comecei sem contrato, em hospitais privados, com uma consulta que me dava gozo fazer, com tempo de qualidade para mim e para quem me procurava (estipulei o meu horário e os meus tempos de consulta). Ouvi muito os meus doentes, fui fazendo material para a minha consulta, elaborando textos informativos para as dúvidas mais frequentes (sim, tinha tempo para isso e ainda para responder a emails com dúvidas). Depois veio o facebook/instagram para contactar melhor com as pessoas à distância e depois o site. Fui crescendo sem ter traçado uma rota específica para isso, foi algo que foi fluindo, naturalmente.

Quando parámos devido à pandemia covid-19, aproveitei a pausa para criar mais textos e conteúdos digitais e percebi que tinha material para um livro com respostas às questões que me foram colocando ao longo de todos estes anos. E assim surgiu “do XL ao S”. Enviei o rascunho do livro para a Bertrand e no mesmo dia tive a resposta positiva do meu Editor Rui Couceiro que estava deveras entusiasmado, o que me deu ainda mais alento e propósito.

Hoje, tenho ainda mais projetos, planos e ideias. Tenho tantos que não cabem neste pequeno texto, desde centros de consulta multidisciplinar, aplicações para telemóveis, podcasts, tudo no sentido de melhor informar, melhor tratar e melhor cuidar – enfim, uma medicina com melhor qualidade de vida, para mim e para o doente. Bem feitas as contas, ao fim destes 5 anos, posso dizer que o balanço foi positivamente agridoce. “Doce” pelos frutos e pela realização, pelo reconhecimento dos meus doentes e dos pares, pela sensação de dever cumprido e pelos novos projetos que vão surgindo. “Agri” pela saudade dos tempos no SNS e pelo declínio a que assisto, impávida e tristemente, a cada dia que passa.

Joana Menezes Nunes

(Hospital da Luz, Clínica Allure e Clínica Uffizi)

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Em 2009, como jovem especialista de Endocrinologia, foi-me proposto ir trabalhar para a indústria farmacêutica para dar apoio científico a um novo inibidor da DPP4 que tinha acabado de ser lançado.

Aceitei este desafio pelo desejo de estar envolvido nos últimos avanços científicos na minha área médica de eleição, pela possibilidade de ter acesso fácil a reuniões científicas internacionais e pela oportunidade de trabalhar com peritos, internos e externos, que eram líderes na sua área. Não seria honesto deixar de fora os incentivos financeiros e, sobretudo, a possibilidade de não fazer turnos na urgência geral, noturnos e em dias descanso, que na altura representavam uma sobrecarga significativa para mim. Naquela altura, o que fechou a minha decisão foi a possibilidade que a companhia me deu (e que continua a dar a muitos colegas), de manter para além de atividade privada, a minha atividade clínica hospitalar em, pelo menos, um período por semana. 

Aquilo que começou como uma experiência de 6 meses, rapidamente se tornou algo pelo qual eu me apaixonei! Tive a oportunidade de trabalhar em proximidade com um colega da estrutura internacional que foi um dos co-investigadores que identificaram a função da enzima DPP4 (di-peptidil peptidase 4) na homeostasia glicémica. Foram anos de trabalho produtivo em que aprendi muito. Este foi o melhor exemplo, mas não o único, do que foi viver e respirar a mais recente ciência na minha área. Por outro lado, como endocrinologistas, o nosso trabalho tende a ser mais solitário, individual do que alguns dos nossos colegas. Na minha companhia, todos os dias trabalhava com colegas de outras áreas, farmacêuticos, especialistas em marketing e vendas, especialistas em assuntos regulamentares, relações públicas, advogados, etc. O trabalho era intenso, mas sempre em grupo e sempre a “remar para o mesmo lado”. Havia verdadeiramente um espírito de equipa e um espírito de missão.  

Trabalhar na indústria como médico não é diferente do trabalho assistencial no seu aspeto mais central de ajudar pessoas a viverem vidas mais longas, mais saudáveis e com maior qualidade de vida. Ao longo dos anos estive envolvido no desenvolvimento e execução de estudos, divulgação e educação de profissionais de saúde não só acerca de fármacos, mas também de aspetos importantes da área médica como o diagnóstico, avaliação e estratificação de risco. Educação e “empowerment” (capacitação) de pessoas portadoras de doença e dos seus familiares foi algo que me orgulhei de fazer. 

Em 2016, tive a oportunidade de trabalhar numa área geográfica distinta de Portugal, que incluía a maior parte da Ásia e Oceânia. Mudei-me para Singapura e durante os anos seguintes tive a experiência extraordinária de vivenciar culturas muito diferentes da nossa. Posteriormente, acabei por voltar para a Europa e abraçar um novo desafio numa nova área: primeiro nas doenças respiratórias e, mais recentemente, na COVID-19. Atualmente, sou responsável por medicamentos que foram desenvolvidos pela minha companhia para a COVID-19 para parte da Europa, África e Médio-Oriente.  

Não seria justo terminar sem confessar que sinto e sempre senti falta da interação com os doentes e outros colegas num contexto puramente clínico. Mesmo naqueles “infernais” turnos no serviço de urgência havia o sentimento de ajudar pessoas de uma forma muito direta e imediata.  

A vida é cheia de surpresas como Carlos da Maia disse no final d’Os Maias: “falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou na imaginação. “Vou ser assim porque a beleza está em ser-se assim”. E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado (…). Ás vezes melhor mas sempre diferente” 

A minha vida é de facto muito diferente daquela que eu imaginei quando acabei a faculdade, mas diferente não é de todo pior: simplesmente diferente!

João Conceição

(MSD Europa)

NEWSLETTER DA SPEDM - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO/TESTEMUNHO

Terminei o meu internato em dezembro 2021, com aprovação em exame final em março 2022. No momento de escrita desta rubrica, ainda me encontro a trabalhar no Hospital onde realizei o internato, aguardando o novo concurso para médicos especialistas. Este hiato de tempo fez-me pensar nas minhas perspetivas futuras. Antigamente, era certo que a grande maioria dos internos que terminavam a especialidade ficavam no seu Hospital de origem. Hoje, a escolha do local onde vou iniciar a minha carreira como especialista já não é tão linear. As gerações anteriores tiveram circunstâncias bem diferentes da minha. Em 2009 acabaram os contratos de médicos em exclusividade, que permitiam um salário suficiente com total disponibilidade do profissional. Agora, a sobrecarga horária e burocrática, associada a baixos salários faz-me ponderar novas oportunidades de carreira. Estou longe de ser a única, pois as condições no público têm vindo a deteriorar-se e os novos especialistas desertam. A culpa não é dos Serviços, que tentam ao máximo recrutar novos internos com a perspetiva de se estabelecerem ali no futuro. No entanto, após o exame de especialidade, vários colegas escolhem caminhos alternativos. Muitos aceitam convites de hospitais privados, porém, contratos a tempo inteiro começam a escassear. Alguns entram na indústria farmacêutica. Contudo, a maioria requer alguma experiência de investigação ou em medical affairs. Outros, os que sonham mais alto, emigram. Após o meu exame, decidi participar numa feira de emprego com várias agências de recrutamento. O Dubai oferece salários incomparáveis, ideal para pessoas solteiras com espírito aventureiro. O Reino Unido e a Escandinávia também parecem opções atrativas. No entanto, devo relembrar que na maioria dos países europeus um Endocrinologista é primariamente um internista, tendo a seu cargo enfermarias de Medicina, o que pode não cativar a todos. O meu futuro ainda é incerto. Por agora, fico por cá, mas tenho a certeza de que quero sonhar mais alto.

Vitória Duarte

(Hospital Beatriz Ângelo)

Opinião: Notícias

IMPACTO DA DIABETES NA FAMÍLIA

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Lidar com a diabetes pode não ser fácil, mas será bem melhor se o processo for acompanhado pelos familiares.

Texto: José Luís Medina (endocrinologista)

Edição: Violante Assude

In revista Diabetes Viver em Equilíbrio, Ed. 90

A diabetes é uma doença familiar. Porquê? Porque quando se diagnostica a diabetes numa pessoa, toda a família fica envolvida com a pessoa com diabetes, principalmente os que são mais próximos. Na fase inicial da doença pode haver maior fragilidade física e psíquica que pode ser devida a um período, mais ou menos longo, no qual a pessoa ficou sujeito à evolução da doença e às suas consequências como a perda de peso, a desidratação e o estado cetonémico com perda de apetite e emagrecimento. Este estado pode acontecer sobretudo na diabetes tipo 1, com maior relevância.

Ajudar a controlar o stress e a ansiedade

O diagnóstico pode ser acompanhado por preocupações e stress como é frequente. O Institute for Patient- and Family- Centered Care fez um estudo que envolveu 5000 pessoas adultas com diabetes e concluiu que o envolvimento da família, dos amigos e dos colegas de trabalho são muito importantes no bem-estar da pessoa com diabetes e na autogestão da doença (Baig, 2015). Sabemos que o diagnóstico da diabetes pode ser motivo de stress e de ansiedade, na criança e no adolescente a diabetes pode surgir quase de forma súbita, mas no adulto evolui de forma lenta e traiçoeira, até se fazer o diagnóstico. O tratamento da diabetes deve ter a preocupação de diminuir, atenuar essa angústia. Educar, transmitir conhecimento à pessoa com diabetes sobre a doença pode dar segurança e permitir a tranquilidade que é necessária a um tratamento adequado. A equipa de saúde deve tranquilizar a pessoa com diabetes, focando aspetos gerais e particulares do tratamento (estilo de vida e medicamentos) e complicações e formas de as evitar. É aconselhável estender a educação aos familiares.

Aprender a controlar a diabetes

A diabetes é uma doença muito “exigente”. O seu tratamento exige alimentação saudável, atividade física regular, autovigilância, planeamento e organização de hábitos de vida saudável. A pessoa com diabetes deve integrar a equipa que o trata procurando ter uma autonomia responsável - atenção às variações glicémicas e às hipoglicémias (identificação e tratamento pronto e eficaz) e prevenção das complicações através de controlo apertado e adequado à idade e às co-morbilidades associadas sem esquecer que a pessoa deve ter a melhor qualidade de vida possível. Não se deve esquecer que a má qualidade de vida afeta a Diabetes (American Diabetes Association).

O impacto emocional pode ser significativo não só na pessoa com diabetes, mas também nos familiares, sobretudo os mais próximos.

Diversos fatores podem contribuir para que possam surgir sentimentos de ansiedade: o diagnóstico, o facto de ser uma doença crónica (a prazo longo), o aparecimento de potenciais complicações e as temidas hipoglicemias. É fundamentar educar para esclarecer e ter disponibilidade de atenção em determinadas fases da doença. O pessoal da equipa multidisciplinar tem que estar sempre disponível para aumentar a segurança da pessoa diabética.

Estender a educação aos familiares

O apoio e o acompanhamento dado pela família podem ser concretizados de forma mais imperiosa nas crianças, nos adolescentes e nos mais idosos, contribuindo para o bem-estar físico e psicológico, fomentando o otimismo e a esperança no futuro da pessoa com diabetes. Este apoio familiar pode refletir-se por exemplo no acompanhamento às consultas e aos tratamentos, ou na preparação e administração do tratamento (insulina, medicamentos) para evitar omissões, trocas e confusões.

Lidar com a doença não será fácil, mas será bem melhor se o processo for acompanhado pelos familiares. Baig (2015) sublimava várias formas de apoio familiar: apoio social e emocional, acompanhamento em consultas, ajudas a decisões sobre o tratamento, apoios para iniciar e manter hábitos de vida saudáveis (não fumar, não abusar de bebidas alcoólicas, alimentação saudável, atividade física de acordo com a idade, por exemplo), ajuda para ultrapassar as rotinas familiares, ajudar nas dificuldades financeiras, nas injeções de insulina encorajando e evitando esquecimentos e acompanhar nas idas às urgências. A família tem ainda outras responsabilidades para não “sabotar” os seus deveres: planear refeições inadequadas para um diabético, não tentar com alimentos não aconselháveis, não questionar a necessidade e utilidade das medicações e perturbar a adesão ao tratamento.

Apoiar e envolver-se reduz conflitos relacionados com a doença.

É muito importante dar informação aos membros da família sobre a doença e as opções do tratamento, validar as suas experiências como cuidadores, ensinar a lidar as tarefas que fazem parte da gestão da doença e ensinar a planear o futuro. Os familiares, com esta integração nas atividades relacionadas com o tratamento, também podem colher benefícios como diminuição do stress psicológico, melhorar os seus comportamentos, aumentar a literacia para a saúde, prevenir a doença e combater a obesidade.

Num estudo, realizado por Anderson e col., em adolescentes dos 10 aos 15 anos foi demonstrado que o envolvimento dos pais pode ser reforçado através de uma intervenção integrada na rotina da equipa e contribui para uma redução dos conflitos familiares relacionados com a diabetes, através da observação e aconselhamento sem ser uma proteção declarada.

Apoio familiar facilita o controlo metabólico

O controlo metabólico é influenciado por vários fatores como sejam os fatores socioculturais (interação familiar e a pressão exercida pelos familiares), os fatores psicológicos (depressão, comportamentos prejudiciais, stress, perturbações nutricionais, medo de complicações e discriminação social) e também outros fatores como os mitos e os medos da insulina, as dosagens da insulina, outros injetáveis não – insulina, os antidiabéticos orais a evolução física e hormonal do jovem e seu metabolismo. A importância dos familiares como cuidadores vai contribuir para a associação que se verifica com o melhor controlo metabólico e a prevenção das complicações. A intervenção familiar pode ser feita, na criança e no adolescente, através do apoio e reforço da segurança. É importante a vigilância sobre desvios do comportamento que prejudiquem o controlo da diabetes e a prevenção das complicações. No adulto, a intervenção da família pode incidir no apoio e no reforço da segurança, no aconselhamento em casos particulares e na partilha de conhecimento sobre a doença. As relações familiares podem influenciar a gestão da diabetes (conflitos de opinião sobre medidas a tomar no campo nutricional, por exemplo).

A não resolução dos problemas pode ser um indicador de risco para as complicações. É aconselhável que os membros da equipa estejam atentos a estes problemas para atuar a este nível. Foram identificados alguns fatores de risco familiar em estudo realizado por Fischer (2006) – baixa satisfação do casal, hostilidade e conflitos, excesso de críticas, má capacidade para resolver problemas, baixas coerência e coesão familiar, má organização familiar, dúvidas sobre a diabetes e sobre a eficácia das recomendações da equipa.

O conhecimento dos familiares sobre a diabetes é muito importante com influência na adesão ao tratamento, no cumprimento das recomendações alimentares, na desmistificação da insulinoterapia, na identificação das complicações e no apoio à vigilância sobretudo em crianças, adolescentes e idosos.

Opinião: Notícias
Opinião: Notícias

O DRAMA DA PLETORA MÉDICA?

"A avalanche de novos médicos acarreta por preceitos deontológicos a diminuição das receitas da classe". Mais adiante corrige: "a abundância de médicos não significa riqueza da profissão: basta reparar nos médicos, vítimas de certas explorações comerciais e industriais que por aí começam a organizar-se e que são indicio certo de miséria profissional " - carta ao diretor da Revista Medicina*, em 1935, de um dirigente da Associação Médica Lusitana**, a propósito da publicação de um artigo***.

Na mesma missiva afirmava-se que os médicos a exercer na cidade do Porto eram cerca de duzentos, considerados suficientes para a procura existente. Curioso acrescentar que mais adiante também se dizia que em tempos de crise o recurso às urgências hospitalares aumentava, o que continua a ser verdade.

Atualmente, a Ordem dos Médicos continua a afirmar que há uma pletora de médicos e que continuam a entrar médicos acima das capacidades formativas. Contudo, as opiniões dividem-se, uns dizem que temos médicos a entrar acima da nossa capacidade e outros dizem que apesar das faculdades estarem a formar muitos médicos, o Serviço Nacional de Saúde tem falta de médicos -2,7 médicos por mil habitantes, abaixo da média da OCDE 3,3.

Mas os estudos de demografia médica realizados até à data, quer pela Prof. Paula Santana, quer pelo Prof. Correia da Cunha, e o último inquérito realizado na região norte pela Profª Marianela Ferreira, chegam todos à conclusão que há médicos a menos no Serviço Nacional de Saúde.

O estudo demográfico, realizado em 2015, na região sul, pelo Prof. Correia da Cunha, intitulado "O que fazer com tantos médicos?" teve como finalidade refletir sobre a evolução demográfica dos profissionais de medicina em Portugal, nas últimas duas décadas.

"Neste estudo, apresenta-se a grande contradição sobre a classe médica em Portugal: existem demasiados licenciados em Medicina, com os números a crescer, mas o Serviço Nacional de Saúde tem cada vez menos médicos. Entre outros aspetos, as conclusões desta reflexão vão apontar para a necessidade de rever o numerus clausus e ao mesmo tempo reativar as carreiras profissionais, não só para contrariar a tendência de envelhecimento dos médicos, mas também para, por exemplo, incentivar a imersão em áreas especializadas com poucos médicos e apoiar a fixação dos mesmos, colmatando assimetrias regionais e evitando que se agravem as condições de igualdade de acesso dos portugueses aos cuidados de saúde", in introdução.

A caracterização demográfica apontou para uma carência evidente de médicos no setor intermediário, feminização da profissão e desigualdade na renovação das especialidades. Sendo as mais problemáticas a Medicina Geral e Familiar, Saúde Pública e Estomatologia.

Neste estudo, várias soluções foram apontadas: a reativação das carreiras profissionais, sem as quais não temos profissionais dedicados que inclusive possam apoiar a formação em regiões mais carenciadas, assim como a fixação de médicos.

Conferindo um inquérito que está a ser realizado pela revista da Ordem dos Médicos (OM) aos presidentes das 21 sub-regiões são constantes as queixas de falta de médicos no setor público, inclusive na região de Lisboa-Cidade. Cito: "com consequente sobrecarga para os profissionais, diminuição da qualidade do serviço prestado e da capacidade formativa"****(OM. Nº 183, Outubro de 2017).

Durante os anos setenta e oitenta, mesmo em anos em que se formaram cerca de 2000 médicos, houve um esforço em criar uma pletora de especialistas correspondendo ao desejo da maioria dos médicos. Esta política, planeada ou não, foi responsável pelos grandes avanços da medicina portuguesa e colocou o nosso Serviço Nacional de Saúde entre os melhores do Mundo. Outros países não seguiram este caminho, como por exemplo a vizinha Espanha que optou pela formação de clínicos gerais em detrimento de uma pletora de especialistas. Cabe agora ao governo e aos profissionais de saúde decidirem qual o caminho a seguir: retomar o papel dos hospitais como formação de excelência de médicos especialistas e/ou investir mais na saúde pública e nos cuidados primários.

Uma coisa é certa, todos estão de acordo que faltam médicos no SNS e que devido à sobrecarga destes profissionais o serviço público está a degradar-se com fuga de médicos para o sector privado e para o estrangeiro.

Temos de deixar de ter medo da "avalanche de médicos", para utilizar a expressão do nosso colega, em 1935, e aumentarmos a possibilidade de acesso aos cursos de medicina, assim como a formação específica de todos os médicos.

Já temos a experiência dos anos 80, em que um aumento excessivo do numerus clausus foi prejudicial. Ainda estamos a pagar esse erro com uma carência de médicos no sector etário intermédio, fundamental para a formação dos mais jovens.

Ao longo de todos estes anos, houve uma enorme falha no planeamento dos efetivos médicos por parte dos sucessivos governos.

Não foi tomado em conta a transformação da medicina, o aumento das necessidades de cuidados médicos, o envelhecimento da nossa população empobrecida por longos períodos de crise.

Não foi tomado em conta a evolução da sociedade, as mentalidades, o aumento merecido do tempo de descanso, a feminização salutar da profissão, as atividades profissionais não relacionadas diretamente com cuidados médicos, diplomas não utilizados, horários em tempo parcial, falta de atrativos para fixar clínicos nas zonas rurais e periféricas das grandes cidades.

Em suma, impediram centenas de jovens - sobretudo os oriundos de famílias mais carenciadas - de serem médicos, privando as populações dos seus serviços.

Digo das famílias mais desfavorecidas, referindo-me às que não têm posses para que os filhos se licenciem em Espanha, República Checa ou outros países da Comunidade Europeia, o que lhes permitiria exercer no nosso país.

* Espólio de Abílio Mendes

** Associação Médica Lusitânia era a associação dos médicos do norte do país (1914-1938)

*** Pinho VA .AO LADO DA MEDICINA, O IMPOSTO PROFISSIONAL POR CAPITAÇÃO, Aspectos Sociais e Económicos, Medicina, Ver. de Ciências Médicas e Humanismo, nº15, Outubro 1935, ANO II

****Corte Real S., atualidade, OM. Nº 183, Outubro de 2017

Jaime Teixeira Mendes

Cirurgião Pediatra

Presidente da AMPDS-Associação de Médicos Pelo Direito à Saúde

(Público on-line, 2018)

 

OPINIÃO

DOCUMENTO PUBLICADO PELA PLATAFORMA REFORÇAR O SNS EM REACÇÃO À DEMISSÃO DA MINISTRA DA SAÚDE

Subscrevo, embora me pareça que a escassez de especialistas também será da responsabilidade do Min Saúde (em geral), na medida em que não for capaz de desbloquear as carreiras e torná-las mais atraentes para os jovens (e menos jovens) especialistas.


João Lavinha

Investigador Principal aposentado

Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

SNS - OPINIÃO/DR. FRANCISCO CRESPO

A propósito do SNS, temos que lembrar que de facto ele está associado a opções políticas. Quando surgiu em Inglaterra, os médicos que o criaram receberam ameaças de morte e defendiam a medicina privada. Também em Portugal o PSD e CDS votaram na AR contra, quando foi lançado. Portanto convém não esquecer que na base da sua criação, há uma matriz social que pela primeira vez surgiu em Inglaterra e em Portugal ao se criar um serviço médico gratuito que iria competir com visão lucrativa da saúde.

É importante analisarmos estes factos objetivos, para partirmos para aquilo que se foi observando no SNS em Portugal e percebermos se se criaram pequenas alterações que a pouco e pouco esvaziaram o SNS.

No início todos os médicos ao terminarem a especialidade, tinham que ficar obrigatoriamente uns anos no SNS, pois como o Estado pagara essa formação, não fazia sentido que não fosse compensado desse encargo.

  1. Pois muito bem, essa lei foi alterada e os médicos logo após obtenção do título, obrigatoriamente eram expulsos do SNS (PRIMEIRA MEDIDA EM PREJUIZO DO SNS)

  2. Logo passado pouco tempo acabam com a Dedicação Exclusiva, que permitia uma maior dedicação e mais tempo de trabalho. OUTRO ROMBO, QUE DIFICULTOU A PERMANÊNCIA NO SNS

  3. A abertura de concursos de promoção na Carreira - passam-se anos que não abrem.

  4. Os vencimentos incrivelmente baixaram, de tal modo que os meus colegas, hoje ganham menos do que eu ganhava, (já estou reformado de Diretor de Serviço do SNS há 10 anos)!!

Ora honestamente digam-me lá, se durante anos os governos não fizeram tudo para prejudicarem o SNS, favorecendo a fuga de pessoal para os privados e se nos casos clínicos mais graves, os doentes não vão para os hospitais do SNS?

 

Mas agora vamos ver se algumas mudanças poderão melhorar o SNS.

1-Após terminarem a especialidade, TODOS os médicos têm que ficar obrigatoriamente mais 2 anos, para compensar os encargos de formação do Estado, podendo continuar se quiserem.

2- Ser recriada a DEDICAÇÃO EXCLUISIVA, facultativa, para impedir fuga para privados, exceto para os Diretores de Serviço e Hospitais, que terão que ser obrigatórias.

3- Os Diretores Clínicos terão que voltar a ter funções executivas e não só consultivas, pois o prejuízo clínico decorrente do domínio dos Administradores, trouxe graves prejuízos clínicos.

4- Era importante que no SNS os blocos operatórios trabalhassem 24 horas consecutivas, como na Alemanha, o que reduziria as listas de espera e aumentaria o treino dos médicos, com pagamentos ajustados aos horários.

 

6- Devia atribuir-se o prémio pelo bom desempenho, com remuneração

(publicação de artigos médicos em revistas médicas indexadas, organização de cursos, congressos…)

7- Abertura urgente de concursos das Carreiras Médicas. reflexão progressiva e urgente do SNS.

 

Espero contribuir com a minha modesta opinião para a melhoria urgente do SNS.

Francisco Crespo

Médico

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